Síndrome de Asperger – Sexo Feminino

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A Síndrome de Asperger (SA) é uma perturbação de origem neurobiológica que se
enquadra nas Perturbações do Desenvolvimento e que constitui um dos perfis da Perturbação
do Espetro do Autismo (PEA). Encarado como uma forma mais branda de autismo (sendo a sua
designação científica atual autismo de nível 1, de acordo com o DSM V [Manual de Diagnóstico
e Estatística das Perturbações Mentais]), este diagnóstico apresenta uma base genética, que já
nasce com o indivíduo. No entanto, fatores como a educação, o ambiente e as relações afetivas
e familiares podem ter impacto ao nível da interação social, da comunicação e de uma gama
restrita de comportamentos e interesses.

A incidência da SA difere de forma significativa entre sexos, sendo que a relação entre
rapazes e raparigas é de cerca de dez para um. No sexo masculino o diagnóstico costuma ser
mais precoce, já no feminino, chega geralmente numa fase mais tardia da infância ou até mesmo
no decorrer da adolescência e/ou idade adulta. Observa-se uma diferença significativa na
manifestação de sintomas entre rapazes e raparigas que está relacionada sobretudo, com a
forma como estas se expressam e socializam. As raparigas conseguem disfarçar melhor algumas
das dificuldades características desta síndrome, sendo que a sua expressão é mais subtil.
Costumam responder de forma mais adequada às solicitações relacionais e de interação, pois
possuem uma maior habilidade em imitar as reações das outras pessoas em ambientes sociais
(como se tivessem um “guião”, que seguem, de forma a orientar a interação, na tentativa de
maior adequação social). Este mascarar de sintomas dificulta a atribuição de um diagnóstico
preciso, sendo frequentemente confundida com outros quadros clínicos como a ansiedade e/ou
a depressão – podem também existir quadros co-mórbidos, em que habitualmente se exclui PEA
como perturbação de base.

Quais os sinais de alerta que importa atentar? Destacam-se as dificuldades na relação e
interação social, sendo que nas raparigas costuma existir mais motivação para estabelecer
relação, embora com lacunas ao nível da resolução de conflitos e manutenção da relação; maior
isolamento social e menos amizades; dificuldade em empatizar, interpretar e compreender as
razões e emoções dos outros; desinteresse por temas comuns, em oposição a fincados
interesses específicos, que podem ser obsessivos e restritos; particularidade na forma de
brincadeira, apresentando um brincar/jogo imitativo da realidade (não simbólico), e com
dificuldade na brincadeira faz-de-conta, com ausência de jogo simbólico, apesar de muitas vezes
fugirem para o seu próprio mundo de fantasia; interesse por atividades mais lógicas; postura
controladora na brincadeira; dificuldade em trabalhar em grupo; facilmente irritáveis, com
consequente afastamento dos outros e elevada sensibilidade sensorial, o que se pode
manifestar em ansiedade ou dor física. Raparigas com SA podem ainda interpretar literalmente
a linguagem e comportamentos dos outros, tendo dificuldade em compreender segundos
sentidos, metáforas, aforismos, sendo ainda incapazes de descodificar expressões faciais e
apresentando dificuldade em mentir. Têm a capacidade de mimetizar comportamentos e aplicálos
em situações sociais, mas mantém-se a dificuldade em ter interações espontâneas. Por fim,
podem ainda ter alguma imprecisão nos movimentos motores e dificuldade em lidar com
mudanças na rotina.

Como pode a SA manifestar-se ao longo do desenvolvimento? Muitas vezes, na infância,
as crianças não conseguem ainda compreender os seus défices na interação social. É na
adolescência, tipicamente, que os pares ganham uma maior importância na vida dos indivíduos.
Em jovens com SA não é diferente, e é muitas vezes nesta fase da vida que começam a tornarse
mais conscientes das suas dificuldades na comunicação com os outros, o que pode levar a um
maior isolamento social ou, por outro lado, a uma tentativa de aproximação dos pares que
recorrentemente, não funciona pela inabilidade social, falhas na reciprocidade e leituras sociais.

Quando existe fracasso, este pode levar à ansiedade e/ou depressão – sintomas depressivos na
SA são particularmente impactantes, na medida em que, pela rigidez cognitiva e estilo
atribucional, podem apresentar quadros agravados, se não identificados e tratados. Pode então,
na fase da adolescência, existir um maior isolamento e desinteresse na interação social, discurso
autodirigido e um maior descuido da higiene pessoal. É importante salientar que adolescentes
do sexo feminino com SA demonstram maior propensão a desenvolver ansiedade, depressão,
ideação suicida e ainda de serem hospitalizadas em internamentos psiquiátricos.

Na idade adulta, as manifestações podem ser de diversos domínios: relativamente à
aparência podemos realçar o vestuário que, geralmente tem que ser confortável por ser prático
e ajudar a reduzir a carga sensorial, pela hipersensibilidade sensorial, típica nas PEA. Contudo,
devido a alguma excentricidade que possa existir na personalidade de mulheres com SA, esta
pode refletir-se também no seu vestuário. Muitas vezes, aparentam traços andrógenos apesar
da aparência feminina – pensam sobre si como metade masculinas, metade femininas; sendo
que por vezes, o sentido de identidade pode não estar bem estabelecido.

No que diz respeito ao domínio intelectual/de vocação, podem ter sido diagnosticadas
com SA na infância/adolescência ou podem ter sido sempre consideradas dotadas, mas tímidas
e sensíveis. Recorrentemente revelam dificuldades significativas ao nível da aprendizagem. Não
obstante, muitas vezes atingem níveis elevados de educação, ao mesmo tempo que persistem
dificuldades a nível social e de interação com o meio. Pode acontecer ainda dificuldade ao nível
da compreensão que decorre de problemas sensoriais e de processamento cognitivo –
instruções verbais não são bem entendidas, por isso optam por escrever ou desenhar esquemas.
Obsessões existem, mas são menos frequentes que em indivíduos do sexo masculino com SA.

Em termos emocionais, poderão apresentar vulnerabilidades na regulação emocional,
manifestando, frequentemente, sintomas de ansiedade e medo. Estas podem associar-se a
fortes problemas sensoriais criados por sobrecargas de estimulação. A instabilidade no humor
muitas vezes manifestada, cai erradamente em diagnósticos de doença bipolar, sem diagnóstico
de SA (apesar de poder haver quadros comórbidos). Muitas vezes é comum a dificuldade em
lidar com injustiças e desentendimentos – podem surgir sentimentos de zanga e raiva. O
mutismo é algumas vezes um mecanismo de coping desadaptativo para lidar com o stress. A
gestão da ansiedade é feita através do controlo (regras, disciplina, rigidez de
comportamentos/hábitos) e os momentos de felicidade são proporcionados em locais seguros
como a própria casa ou outros ambientes controlados.

Por último, no domínio social/relacional, mulheres com SA são muitas vezes
percecionadas como frias e centradas em si. Porém, tal pode decorrer da falta de entendimento
dos outros. Demonstram-se muitas vezes faladoras e com uma grande motivação quando a
conversa está relacionada com os seus interesses/obsessões. Tal como a contraparte masculina,
“desligam” em situações sociais devido à sobrecarga sensorial a que estão expostas. No entanto,
em pequenos grupos pode parecer que são bastante capacitadas a nível relacional. Ao nível das
relações amorosas, quando existem, são levadas de forma muito rígida e séria. Contudo também
podem escolher o celibato e permanecerem sozinhas. A atividade sexual, quando existe, pode
ser bastante prazerosa, ou pelo contrário, desagradável, devido às dificuldades sensoriais. Ou
seja, para estas mulheres, o relacionamento amoroso, com todas as suas componentes
(emocional, afetiva e sexual), pode surgir como uma área de grande fragilidade devido à
complexidade e características desta perturbação. Vulnerabilidades decorrentes destas relações
prendem-se com o estabelecimento da intimidade e a expressão de afetos, dificultando a
capacidade de entendimento de si mesma e do outro.

Apesar do diagnóstico da SA se reger por parâmetros específicos, dois jovens com o
mesmo diagnóstico podem parecer, pelo menos à primeira vista, muito diferentes. Assim, é
importante uma avaliação criteriosa e multidisciplinar de modo a determinar que tipo de
intervenção é mais adequada para cada indivíduo, consoante as áreas em que apresente
maiores vulnerabilidades.

Quanto mais precoce a intervenção, maior será o progresso. Os pais e agentes
educativos devem ser amplamente envolvidos no processo de intervenção, para que possam
melhor compreender esta perturbação e generalizar em casa, escola e comunidade aquilo que
é aprendido em consulta – considera-se por consulta psicologia clínica, educação especial,
terapia ocupacional, psicomotricidade e monitorização em pediatria do
desenvolvimento/neuropediatria ou pedopsiquiatria.

A intervenção nas PEA e especificamente na SA, é importante na medida em que fornece
aos indivíduos ferramentas para melhor interagir, compreender e expressar adequadamente as
suas emoções, regulá-las, controlar os seus impulsos e melhorar as dificuldades que possam ter
em termos de habilidades motoras e integração sensorial. O desenvolvimento destas
competências é feito através de um treino constante e explícito e pode ajudar num
desenvolvimento mais saudável da autoestima e na gestão de sintomas de ansiedade e
depressão que podem, eventualmente, surgir.

Documento elaborado por:

Dr. Tiago Ferreira
Dra. Raquel Ferreira
Dra. Débora Carvalhosa

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Mario NascimentoSíndrome de Asperger – Sexo Feminino